A
data de divulgação celebra a memória de São Francisco de Sales, padroeiro dos
jornalistas, e neste ano tem como tema “Falar com o coração. ‘Testemunhando a
verdade no amor’ (Ef 4, 15)”.
Foi
divulgada nesta terça-feira, 24, a mensagem do Papa Francisco para o 57º Dia
Mundial das Comunicações Sociais, que será celebrado, este ano, em 21 de maio.
A data de divulgação celebra a memória de São Francisco de Sales, padroeiro dos
jornalistas, e neste ano tem como tema Falar com o coração. “Testemunhando a
verdade no amor” (Ef 4, 15)
O
Papa Francisco recorda as mensagens anteriores e afirma que “foi o coração que
nos moveu para ir, ver e escutar, e é o coração que nos move para uma
comunicação aberta e acolhedora”. Permeado por citações e inspirações da
Palavra de Deus, o texto recorda que “o apelo para se falar com o coração
interpela radicalmente este nosso tempo, tão propenso à indiferença e à
indignação, baseada por vezes até na desinformação que falsifica e
instrumentaliza a verdade.”
São
Francisco de Sales é invocado como um exemplo de quem falava com o coração. Na
carta, o Papa Francisco recorda o quarto centenário de sua morte, celebrado em
2023, e a carta apostólica recém lançada. O pontífice recorda que “para ele, a
comunicação nunca deveria reduzir-se a um artifício, a uma estratégia de
marketing – diríamos nós hoje –, mas era o reflexo do íntimo, a superfície
visível dum núcleo de amor invisível aos olhos.”
Considerando
o andamento do Sínodo sobre sinodalidade, Fransciso expressa seu desejo para a
comunicação neste processo: “uma comunicação que coloque no centro a relação
com Deus e com o próximo, especialmente o mais necessitado, e esteja mais
preocupada em acender o fogo da fé do que em preservar as cinzas duma
identidade autorreferencial. Uma comunicação, cujas bases sejam a humildade no
escutar e o desassombro no falar e que nunca separe a verdade do amor.”
O
contexto da desinformação e as situações conflituosas no planeta também são
citadas pelo Papa, convidando os comunicadores à promoção da cultura da paz.
“Precisamos de comunicadores prontos a dialogar, ocupados na promoção dum
desarmamento integral e empenhados em desmantelar a psicose bélica que se
aninha nos nossos corações.”
Confira
a íntegra da mensagem do Papa.
MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O 57º DIA MUNDIAL
DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
Falar com o coração.
“Testemunhando
a verdade no amor” (Ef 4, 15)
Estimados
irmãos e irmãs!
Depois
de ter refletido, nos anos anteriores, sobre os verbos «ir e ver» e «escutar»
como condição necessária para uma boa comunicação, com esta Mensagem para o
LVII Dia Mundial das Comunicações Sociais gostaria de me deter sobre o «falar
com o coração». Foi o coração que nos moveu para ir, ver e escutar, e é o
coração que nos move para uma comunicação aberta e acolhedora. Após o nosso
treino na escuta, que requer saber esperar e paciência, e o treino na renúncia
a impor em detrimento dos outros o nosso ponto de vista, podemos entrar na
dinâmica do diálogo e da partilha que é, em concreto, comunicar cordialmente.
E, se escutarmos o outro com coração puro, conseguiremos também falar
testemunhando a verdade no amor (cf. Ef 4, 15). Não devemos ter medo de
proclamar a verdade, por vezes incômoda, mas de o fazer sem amor, sem coração.
Com efeito “o programa do cristão – como escreveu Bento XVI – é ‘um coração que
vê’”.[1] Trata-se de um coração que revela, com o seu palpitar, o nosso
verdadeiro ser e, por essa razão, deve ser ouvido. Isto leva o ouvinte a
sintonizar-se no mesmo comprimento de onda, chegando ao ponto de sentir no
próprio coração também o pulsar do outro. Então pode ter lugar o milagre do
encontro, que nos faz olhar uns para os outros com compaixão, acolhendo as
fragilidades recíprocas com respeito, em vez de julgar a partir dos boatos
semeando discórdia e divisões.
Jesus
chama-nos a atenção de que cada árvore se conhece pelo seu fruto (cf. Lc 6,
44). De igual modo “o homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o que é
bom; e o mau, do mau tesouro, tira o que é mau; pois a boca fala da abundância
do coração” (6, 45). Por conseguinte, para se poder comunicar testemunhando a
verdade no amor, é preciso purificar o próprio coração. Só ouvindo e falando
com o coração puro é que podemos ver para além das aparências, superando o
rumor confuso que, mesmo no campo da informação, não nos ajuda a fazer o
discernimento na complexidade do mundo em que vivemos. O apelo para se falar
com o coração interpela radicalmente este nosso tempo, tão propenso à
indiferença e à indignação, baseada por vezes até na desinformação que
falsifica e instrumentaliza a verdade.
Comunicar
cordialmente
Comunicar
cordialmente quer dizer que a pessoa que nos lê ou escuta é levada a deduzir a
nossa participação nas alegrias e receios, nas esperanças e sofrimentos das
mulheres e homens do nosso tempo. Quem assim fala, ama o outro, pois
preocupa-se com ele e salvaguarda a sua liberdade, sem a violar. Podemos ver
este estilo no misterioso Viandante que dialoga com os discípulos a caminho de
Emaús depois da tragédia que se consumou no Gólgota. A eles, Jesus ressuscitado
fala com o coração, acompanhando com respeito o caminho da sua amargura,
propondo-Se e não Se impondo, abrindo-lhes amorosamente a mente à compreensão
do sentido mais profundo do sucedido. De facto, eles podem exclamar com alegria
que o coração lhes ardia no peito enquanto Ele conversava pelo caminho e lhes
explicava as Escrituras (cf. Lc 24, 32).
Num
período da história marcado por polarizações e oposições – de que,
infelizmente, nem a comunidade eclesial está imune – o empenho em prol duma
comunicação “de coração e braços abertos” não diz respeito exclusivamente aos
agentes da informação, mas é responsabilidade de cada um. Todos somos chamados
a procurar a verdade e a dizê-la, fazendo-o com amor. De modo particular nós,
cristãos, somos exortados a guardar continuamente a língua do mal (cf. Sl 34,
14), pois com ela – como ensina a Escritura – podemos bendizer o Senhor e
amaldiçoar os homens feitos à semelhança de Deus (cf. Tg 3, 9). Da nossa boca,
não deveriam sair palavras más, “mas apenas a que for boa, que edifique, sempre
que necessário, para que seja uma graça para aqueles que a escutam” (Ef 4, 29).
Por
vezes, o falar amável abre uma brecha até nos corações mais endurecidos.
Encontramos vestígios disto na própria literatura; penso naquela página
memorável do cap. XXI do livro Promessi Sposi, onde Luzia fala com o coração ao
Inominável até que este, desarmado e atormentado por uma benéfica crise
interior, cede à força gentil do amor. Experimentamo-lo na convivência social,
onde a gentileza não é questão apenas de «etiqueta», mas um verdadeiro antídoto
contra a crueldade, que pode, infelizmente, envenenar os corações e intoxicar
as relações. Precisamos daquele falar amável no âmbito dos mass media, para que
a comunicação não fomente uma aversão que exaspere, gere ódio e conduza ao
confronto, mas ajude as pessoas a refletir calmamente, a decifrar com espírito
crítico e sempre respeitoso a realidade onde vivem.
A
comunicação de coração a coração: “Basta amar bem para dizer bem”
Um
dos exemplos mais luminosos e, ainda hoje, fascinantes deste “falar com o
coração” temo-lo em São Francisco de Sales, Doutor da Igreja, a quem dediquei
recentemente a Carta Apostólica Totum amoris est, nos 400 anos da sua morte. A
par deste aniversário importante e relacionado com a mesma circunstância,
apraz-me recordar outro que se celebra neste ano de 2023: o centenário da sua
proclamação como padroeiro dos jornalistas católicos, feita por Pio XI com a
Encíclica Rerum omnium perturbationem. Mente brilhante, escritor fecundo,
teólogo de grande profundidade, Francisco de Sales foi bispo de Genebra no
início do século XVII, em anos difíceis marcados por animadas disputas com os
calvinistas. A sua mansidão, humanidade e predisposição a dialogar pacientemente
com todos, e de modo especial com quem se lhe opunha, fizeram dele uma
extraordinária testemunha do amor misericordioso de Deus. Dele se pode dizer
que as suas “palavras amáveis multiplicam os amigos, a linguagem afável atrai
muitas respostas agradáveis” (Sir 6, 5). Aliás uma das suas afirmações mais
célebres – “o coração fala ao coração” – inspirou gerações de fiéis, entre os
quais se conta São John Henry Newman que a escolheu para seu lema: Cor ad cor
loquitur. “Basta amar bem para dizer bem”: constituía uma das suas convicções.
Isto prova como, para ele, a comunicação nunca deveria reduzir-se a um
artifício, a uma estratégia de marketing – diríamos nós hoje –, mas era o
reflexo do íntimo, a superfície visível dum núcleo de amor invisível aos olhos.
Para São Francisco de Sales, precisamente “no coração e através do coração é
que se realiza aquele sutil e intenso processo unitário em virtude do qual o
homem reconhece a Deus”.[2] “Amando bem”, São Francisco conseguiu comunicar com
o surdo-mudo Martinho tornando-se seu amigo, e daí ser recordado também como
protetor das pessoas com deficiências comunicativas.
É
a partir deste “critério do amor” que o santo bispo de Genebra nos recorda,
através dos seus escritos e do próprio testemunho de vida, que “somos aquilo
que comunicamos”: uma lição contracorrente hoje, num tempo em que, como
experimentamos particularmente nas redes sociais, a comunicação é muitas vezes
instrumentalizada para que o mundo nos veja, não por aquilo que somos, mas como
desejaríamos ser. São Francisco de Sales difundiu em grande número cópias dos
seus escritos na comunidade de Genebra. Esta intuição “jornalística” valeu-lhe
uma fama que superou rapidamente o perímetro da sua diocese e perdura ainda nos
nossos dias. Como observou São Paulo VI, os seus escritos suscitam “uma leitura
sumamente agradável, instrutiva e estimulante”.[3] Pensando no atual panorama
da comunicação, não são estas precisamente as caraterísticas de que se deveriam
revestir um artigo, uma reportagem, um serviço radiotelevisivo ou uma mensagem
nas redes sociais? Possam os agentes da comunicação sentir-se inspirados por
este Santo da ternura, procurando e narrando a verdade com coragem e liberdade,
mas rejeitando a tentação de usar expressões sensacionalistas e agressivas.
Falar
com o coração no processo sinodal
Como
já tive oportunidade de salientar, “também na Igreja há grande necessidade de
escutar e de nos escutarmos. É o dom mais precioso e profícuo que podemos
oferecer uns aos outros”.[4] Duma escuta sem preconceitos, atenta e disponível,
nasce um falar segundo o estilo de Deus, que se sustenta de proximidade,
compaixão e ternura. Na Igreja, temos urgente necessidade duma comunicação que
inflame os corações, seja bálsamo nas feridas e ilumine o caminho dos irmãos e
irmãs. Sonho uma comunicação eclesial que saiba deixar-se guiar pelo Espírito
Santo, gentil e ao mesmo tempo profética, capaz de encontrar novas formas e
modalidades para o anúncio maravilhoso que é chamada a proclamar no terceiro
milênio. Uma comunicação que coloque no centro a relação com Deus e com o
próximo, especialmente o mais necessitado, e esteja mais preocupada em acender
o fogo da fé do que em preservar as cinzas duma identidade autorreferencial.
Uma comunicação, cujas bases sejam a humildade no escutar e o desassombro no
falar e que nunca separe a verdade do amor.
Desarmar
os ânimos promovendo uma linguagem de paz
“A
língua branda pode até quebrar ossos”: lê-se no livro dos Provérbios (25, 15).
Hoje é tão necessário falar com o coração para promover uma cultura de paz,
onde há guerra; para abrir sendas que permitam o diálogo e a reconciliação,
onde campeiam o ódio e a inimizade. No dramático contexto de conflito global
que estamos a viver, urge assegurar uma comunicação não hostil. É necessário
vencer “o hábito de denegrir rapidamente o adversário, aplicando-lhe atributos
humilhantes, em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso”.[5]
Precisamos de comunicadores prontos a dialogar, ocupados na promoção dum
desarmamento integral e empenhados em desmantelar a psicose bélica que se
aninha nos nossos corações, como exortava profeticamente São João XXIII na
Encíclica Pacem in terris: “a verdadeira paz entre os povos não se baseia em
tal equilíbrio [de armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua”
(n.º 113). Uma confiança que precisa de comunicadores não postos à defesa, mas
ousados e criativos, prontos a arriscar na procura dum terreno comum onde
encontrar-se. Também agora, como há 60 anos, a humanidade vive uma hora escura
temendo uma escalada bélica, que deve ser travada o mais depressa possível,
inclusivamente em termos de comunicação. Fica-se apavorado ao ouvir com quanta
facilidade se pronunciam palavras que invocam a destruição de povos e
territórios; palavras que, infelizmente, se convertem muitas vezes em ações
bélicas de celerada violência. Por isso mesmo há que rejeitar toda a retórica
belicista, assim como toda a forma de propaganda que manipula a verdade,
deturpando-a com finalidades ideológicas. Em vez disso seja promovida, a todos
os níveis, uma comunicação que ajude a criar as condições para se resolverem as
controvérsias entre os povos.
Como
cristãos, sabemos que é precisamente na conversão do coração que se decide o
destino da paz, pois o vírus da guerra provém do íntimo do coração humano.[6]
Do coração brotam as palavras certas para dissipar as sombras dum mundo fechado
e dividido e construir uma civilização melhor do que aquela que recebemos. É um
esforço que é exigido a todos e cada um de nós, mas faz apelo de modo particular
ao sentido de responsabilidade dos agentes da comunicação a fim de realizarem a
própria profissão como uma missão.
Que
o Senhor Jesus, Palavra pura que brota do coração do Pai, nos ajude a tornar a
nossa comunicação livre, limpa e cordial.
Que
o Senhor Jesus, Palavra que Se fez carne, nos ajude a colocar-nos à escuta do
palpitar dos corações, para nos reconhecermos como irmãos e irmãs e
desativarmos a hostilidade que divide.
Que
o Senhor Jesus, Palavra de verdade e caridade, nos ajude a dizer a verdade no
amor, para nos sentirmos guardiões uns dos outros.
Roma
– São João de Latrão, na Memória de São Francisco de Sales, 24 de janeiro de
2023.
+ FRANCISCO
_______________________
[1]
Carta enc. Deus caritas est (25/XII/2005), 31.
[2]
Carta ap. Totum amoris est (28/XII/2022).
[3]
Epístola apostólica Sabaudiae gemma, no IV centenário do nascimento de São
Francisco de Sales, Doutor da Igreja (29/I/1967).
[4]
Mensagem para o LVI Dia Mundial das Comunicações Sociais (24/I/2022).
[5]
Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (03/X/2020), 201.
[6]
Cf. Francisco, Mensagem para o LVI Dia Mundial da Paz a 1 de janeiro de 2023
(08/XII/2022), 4.
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